A empresa Progresso, gigante da produção agroindustrial de batatas e café em Mucugê, está expandindo sua atuação para os gerais de Piatã. Mas ao contrário do discurso de sustentabilidade que o grupo exibe nas redes sociais, a Fazenda Dragão Verde chegou assustando moradores das nascentes do Rio de Contas.
Imagem dos 231 hec desmatados
Além do desmatamento e da fumaça que tomou conta das casas, a empresa adquiriu outorga de 06 poços artesianos profundos impactando diretamente no volume de água da comunidade. As atividades da Progresso atingem diretamente as nascentes do riacho dos Três Morros e do Riacho do Fundão, zona de recarga hídrica do Rio de Contas, conhecida como nascedouro da Bacia do Rio de Contas, responsável pelo abastecimento hídrico de mais de 1 423 153 habitantes em 86 municípios.
Cachoeira do Patrício
O empreendimento de 434 hectares teve sua autorização de desmatamento concedido pelo INEMA desde março de 2023, mas a comunidade tradicional da Ressaca só foi avisada da destruição um mês antes da supressão em dezembro do ano passado. A falta de comunicação criou uma série de transtornos. Afetando as fontes de água e renda da comunidade que usa os riachos como ponto de turismo de base comunitária e para a agricultura familiar.
Desde que as atividades começaram, os moradores não bebem mais dessa nascente. O caso é tão sério que consideram a água que abastece o povoado está imprópria para consumo, mas a empresa não apresentou testes que tranquilizem os moradores, nem alternativas para o problema. Enquanto isso, as famílias da comunidade tradicional da Ressaca estão buscando fontes alternativas para adquirir água para o consumo, como beber e cozinhar. A água suja também impede a lavagem de roupa e limpeza das casas, por conta da coloração e das partículas que mancham tecidos e pisos.
Água da nascente com a coloração alterada e cheia de partículas
Atualmente, a licença[1] de supressão vegetal está vencida, mas a comunidade continua sofrendo os impactos. Uma das preocupações é com a fauna e flora local. Há inclusive animais endêmicos, que só existem nesta área, como o peixe Hasemania Piatan (Zanatta e Serra, 2010).
Hansemania piatan – Peixe endêmico da zona desmatada
Interessante destacar que a espécie rara sequer é citada no processo de licenciamento da Fazenda Dragão Verde da Progresso, indicando possíveis irregularidades na autorização de supressão vegetal e manejo da fauna. Importante lembrar que o Pró-espécies que identifica animais e plantas ameaçados de extinção no Plano de Ação Territorial (PAT) Chapada Diamantina da Serra da Jiboia identifica outras 17 famílias da fauna e da flora da região ameaçados, e também não foi citado no processo. Um dos exemplos de possíveis desequilíbrios provocados é o relato dos moradores de muitos buracos de tatus nas roças locais, logo depois dos desmatamentos.
Não é a primeira vez que os gerais de Piatã entram em litígio com o agronegócio. Em 2020, o Ministério Público Ambiental solicitou a paralisação dos desmatamentos de outra gigante, a empresa Hayashi, que através da fazenda Piabas também realizou atividades de supressão de vegetação nativa na região. Em 2013, uma barragem da mesma empresa foi embargada na mesma zona.
Em análise sobre o assunto, OCA – Observatório dos Conflitos Socioambientais identificou que a zona faz parte de um projeto de ampliação do agronegócio para mais de 7000 hectares de monocultura de batatas numa das mais importantes áreas de recarga hídrica para o Rio de Contas. Os gerais de Piatã contribuem ainda para as nascentes do Paraguaçu e Paramirim, constituindo-se em um dos mais relevantes biomas para abastecimento hídrico do semiárido baiano.
Em entrevista a revista Forbes, Fabiano Borré, CEO do grupo Progresso e proprietário de mais de 530 hectares nos gerais de Mucugê, garante que a empresa desenvolve tecnologia sustentável baseada no tripé terra, água e pessoas. Será que o lema servirá também para o povo da Ressaca?
[1] (2020.001.091422/INEMA/REQ)