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A Mobilização Social como aliada no enfrentamento aos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina
Pesquisa e reportagem Por Diosvaldo Filho
Edição e Revisão textual: Joana Crivelente Horta
A Mobilização Social é um processo coletivo, em que grupos de pessoas se organizam para promover mudanças significativas em sua realidade social, econômica, cultural ou política. Esse conceito vai além da simples organização de eventos ou protestos, sendo um mecanismo essencial para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Como descrito no livro do UNICEF, “Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação” (1996), a mobilização social aparece como “forma de construir na prática o projeto ético proposto na constituição brasileira: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político”. Esse trecho destaca a importância da mobilização como ferramenta para concretizar os princípios fundamentais da Constituição, reforçando a ideia de que este modelo de organização é um pilar para a construção de uma sociedade democrática.
A mobilização social é crucial porque permite que indivíduos e grupos exerçam seu poder de influência para garantir direitos, acessar políticas públicas e promover a justiça social. A jornalista e mestra em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, Catarina de Angola, enfatiza, em entrevista para a Controladoria-Geral da União (CGU), que “a mobilização social acontece quando essas mudanças são para o desenvolvimento do coletivo e da sociedade no sentido da garantia de direitos, do acesso a políticas públicas, da efetivação de direitos universais”. Esse ponto de vista coloca a coletividade no centro das ações de transformação e desenvolvimento social.
Segundo a Agência de Iniciativas Cidadãs, “a mobilização social acontece quando um grupo de pessoas, que compartilham entendimentos de mundo e opiniões sobre temas que afetam a sua realidade, se movem a favor de uma causa, no sentido de construir diálogo com a sociedade. […] A causa precisa ser de interesse público, ou seja, algo que não afete só a vida de uma pessoa ou de um pequeno grupo, mas uma coletividade abrangente de pessoas”. A Agência destaca a mobilização como um processo inclusivo e abrangente, capaz de unir diferentes atores sociais em torno de causas de interesse público, promovendo o diálogo e a construção de consensos.
Além disso, a mobilização social tem como objetivo mediar a interlocução, as negociações e os conflitos de interesses entre os diferentes atores sociais envolvidos em determinados processos. Esse aspecto é essencial para a gestão de conflitos e para a promoção de soluções que atendam ao interesse coletivo.
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A mobilização social também desempenha um papel crucial frente a conflitos socioambientais, especialmente em contextos de injustiça ambiental que afetam populações locais e marginalizadas. No artigo “Direito, mobilização social e mudança institucional”, as autoras Losekann e Bissoli (2017), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), analisam as interações entre movimentos sociais no Rio de Janeiro e Espírito Santo e as instituições jurídicas. Elas relatam que, “nos casos envolvendo conflitos ambientais caracterizados por injustiças ambientais atingindo populações locais e marginalizadas, os efeitos observados incidem sobretudo nos próprios processos de mobilização social”. Nesse sentido, as estudiosas revelam como a mobilização pode ser uma resposta poderosa a conflitos socioambientais, influenciando diretamente as dinâmicas sociais e institucionais envolvidas.
André Sacramento, advogado popular e coordenador geral da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais da Bahia (AATR/BA), que trabalha no apoio e na assessoria para comunidades e lideranças em conflitos por território que vem enfrentando ameaças e conflitos socioambientais, revela que “a mobilização social das próprias comunidades, o apoio às lutas coletivas dentro dos territórios é fundamental para que qualquer iniciativa no campo jurídico, no campo da assessoria tenha sucesso”. Ainda para Sacramento, “as experiências de sucesso, de permanência de comunidades nos territórios, de enfrentamento, de impactos de empreendimentos, ainda que não consiga afastar o empreendimento, mas que consiga negociar com maior dignidade sempre vêm a partir de comunidades com seus processos de organização, com seus processos de mobilização de bases fortalecidos”, relata.
No Brasil, muitas lutas foram travadas na tentativa de garantia de direitos básicos. Um dos casos mais emblemáticos da história foi a Aliança dos Povos da Floresta, na região amazônica, especialmente no Acre. Ainda no contexto da ditadura e da expansão desenvolvimentista do norte do país, o movimento reuniu seringueiros, indígenas e ribeirinhos e foi um marco na luta pela preservação ambiental e pelos direitos dos trabalhadores na Amazônia, durante as décadas de 1970 e 1980. Liderados pelo seringueiro Chico Mendes, a mobilização buscava resistir à devastação da floresta amazônica promovida por grandes fazendeiros e grileiros. O movimento surgiu como resposta à ameaça de desmatamento e expulsão de seus territórios, o que colocava em risco tanto seu sustento quanto o ecossistema amazônico.
Os seringueiros enfrentaram grandes desafios em sua luta, utilizando táticas de resistência pacífica conhecidas como “empates” (Pontes, 2012), nos quais se colocavam na frente das máquinas para impedir o desmatamento. Além de defenderem seus direitos trabalhistas e o acesso à terra, os seringueiros também lutaram pela criação de reservas extrativistas, áreas protegidas onde poderiam continuar a extração sustentável de recursos da floresta. A organização dos seringueiros, com o apoio de aliados como sindicatos e organizações ambientais, foi essencial para que suas demandas ganhassem visibilidade nacional e internacional.
As conquistas do movimento dos seringueiros foram significativas. Entre as principais vitórias estão a criação de reservas extrativistas, como a Reserva Extrativista Chico Mendes, que garantiram a preservação de vastas áreas da floresta amazônica e asseguraram o direito dos seringueiros de continuar sua atividade de forma sustentável.
O movimento também deixou um legado de escuta dos povos originários e conscientização sobre a importância da preservação ambiental e a interdependência entre os direitos humanos e a sustentabilidade, sendo um exemplo inspirador de mobilização social e defesa do meio ambiente.
Crédito: Thomas Bauer
A Chapada Diamantina é um território de mobilizações sociais intensas, onde as comunidades têm protagonizado ações em defesa de suas formas de vida, pautando-se em questões essenciais como a hídrica, ambiental e agrária. Essas mobilizações são impulsionadas pela necessidade de preservar os recursos naturais, fundamentais tanto para a subsistência local quanto para o equilíbrio ambiental regional.
A questão hídrica é um dos maiores desafios na Chapada Diamantina, um território marcado pela riqueza de mananciais que alimentam grandes bacias hidrográficas como a Bacia do Rio de Contas e a Bacia do Paraguaçu. No entanto, o uso descontrolado dos recursos hídricos, por grandes empreendimentos agrícolas, tem ameaçado o abastecimento das comunidades tradicionais. Organizações locais e movimentos sociais têm se mobilizado para garantir o acesso equitativo à água e a preservação das nascentes, tema amplamente abordado pelo nosso Observatório.
A questão ambiental também emerge como um ponto estratégico de mobilização, com o foco na defesa das florestas e ecossistemas da Chapada. O desmatamento e a exploração predatória, muitas vezes ligadas à expansão do agronegócio e à mineração, colocam em risco não apenas a biodiversidade local, mas também os modos de vida das comunidades que dependem da terra e de seus recursos.
A luta pela terra, com suas dimensões agrárias e de reforma agrária, continua sendo uma bandeira importante na Chapada. Muitas das comunidades do território enfrentam conflitos fundiários, lutando contra a concentração de terras nas mãos de poucos e a consequente marginalização dos pequenos agricultores e posseiros. A agroecologia tem sido uma resposta viável a esses conflitos, promovendo a produção sustentável de alimentos, a valorização dos saberes tradicionais, a recuperação dos solos degradados e a mobilização social.
São diversas as experiências, redes e ações agroecológicas espalhadas pelo território. Em 2019, o território recebeu a V Jornada de Agroecologia da Bahia, reunindo cerca de 4 mil pessoas no território indígena Payayá, em Utinga. Para o Cacique Juvenal Payayá “A jornada de agroecologia foi fundamental para fortalecer seu povo na retomada do território”. Em Rio de Contas, onde existe uma sede do Instituto de Permacultura da Bahia, são diversas as ações de plantio sem uso de agrotóxico e de restauro de áreas degradadas. Em Piatã, comunidades quilombolas organizadas têm enfrentado o avanço da mineração, conquistando embargos de côrtes internacionais. Em Ibicoara, o plantio orgânico e biodinâmico têm feito o enfrentamento aos agropolos. Em Lençóis, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) já mobilizou a compra e doação de toneladas de alimentos livres de agrotóxicos para o combate à fome. Em Seabra, a Feira Agroecológica da Uneb tem sido realizada há 5 anos, garantindo um espaço para encontro territorial de produtores agroecológicos.
Essas questões já vêm sendo discutidas e monitoradas no Observatório sobre o modo de vida das comunidades da Chapada Diamantina, que tem o compromisso de registrar e dar visibilidade às lutas e às estratégias de resistência dessas populações, reforçando a importância de práticas agroecológicas e sustentáveis como resposta aos desafios socioambientais e econômicos do território.
Créditos de Foto: Brasil de Fato
Como colocar a Mobilização Social em prática?
A mobilização social é um processo essencial para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Ao unir indivíduos e comunidades em torno de causas de interesse público, a mobilização promove o diálogo, a participação cidadã e a transformação social. Como ferramenta de ação coletiva, ela desempenha um papel vital na garantia de direitos, na promoção da justiça social e na construção de um futuro melhor para todos.
Referências
LOSEKANN, C; BISSOLI, L. D. Direito, mobilização social e mudança institucional. 2017. Acesso em 14.ago.2024. Disponível em: https://doi.org/10.17666/329403/2017
PONTES, Beatriz Maria Soares. O movimento social dos Povos da Floresta Amazônica. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, Recife: UFPE/MSEU, v. 01, n. 1, 2012. Acesso em 16.ago.2024. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5842661.pdf
Matérias acessadas
https://aic.org.br/cotidiano/o-que-e-mobilizacao-social/
https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/entrevistas/mobilizacao-social