Por Maiara Luane
“Um belo dia resolvi mudar… E fazer tudo o que eu queria fazer”. A canção da saudosa Rita Lee retrata o que Bel das Montanhas viveu em 2012, quando decidiu ouvir seu coração e mudar de profissão. Izabelle Serafim, 36, é mãe de duas meninas, condutora de visitantes e brigadista na Chapada Diamantina, no interior da Bahia.
No distrito de Palmeiras, o Vale do Capão, onde a brigadista reside atualmente, é considerado por muitos um santuário ecológico, com projetos de ecoturismo, culinária vegetariana e construções sustentáveis florescendo.
No verão de 2012, Bel estava determinada, como sempre em suas decisões, a participar de sua primeira seletiva do PrevFogo, um programa de formação e capacitação de brigadistas para combate a incêndios florestais, criado em 2008 pelo Governo Federal, sob a gestão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA).
“Eram 40 homens, e somente eu de mulher”, recorda Bel. Decidida a ingressar em uma profissão tradicionalmente vista como masculina, Bel enfrentou preconceito e assédio. Mas, em meio a olhares de desaprovação e comentários maldosos, ela persistiu e foi aprovada na seletiva. Emocionada, afirma: “Passei por cima das adversidades e continuei minha caminhada.”
Durante um incêndio na Serra da Rapadura, no Vale do Capão, Bel se viu com a bomba costal quase vazia. Ao decidir abastecer, foi duramente questionada por um colega: “Bora, bora… O que você está fazendo aqui?” Bel percebeu que seus colegas demoraram a entender que ela estava ali para fazer o mesmo trabalho que eles. Na linha de frente, com a bomba costal de 20 litros nas costas, sua coragem e força ancestral prevaleceram. Desde então, carrega a convicção: “Quando aceitei meu chamado, passei a me sentir ainda mais útil. Sinto que deixei de ser um peso nesta terra.”
Longe dos olhares críticos, seu semblante reflexivo e sua voz firme ressaltam o quanto as mulheres precisam provar sua capacidade no mercado de trabalho. Logo nas primeiras missões, Bel notou que, para continuar como brigadista, precisaria se esforçar para adquirir conhecimento e garantir a aceitação dos companheiros: “Daí em diante, busquei melhorar muito a minha teoria, para que na prática eu fosse excelente.”
“De frente para o dragão” é um jargão utilizado para descrever as linhas de fogo em grandes incêndios florestais, que exigem muita atenção. “Em 2015 enfrentamos um dos maiores incêndios que a Chapada Diamantina já teve,” recorda Bel. Na ocasião, estava na Chapadinha, uma microrregião ao sul do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), entre Ibicoara e Itaeté. Ao chegar na base, viu que havia muito alimento, mas ninguém para prepará-lo, então passou madrugadas cozinhando para os colegas.
Pela primeira vez, Bel subiu para a trincheira, mas desempenhou outra função. Observando seus colegas retornarem do combate com semblante cansado, olhos avermelhados e corpos desfalecidos, sentiu o peso da realidade. “Pensei que alguns estavam morrendo, foi desesperador. Foram dias muito difíceis, vivíamos uma guerra,” constata.
Cada enfrentamento é único, com variáveis como direção do vento, localização, acesso, extensão da área afetada e tipo de vegetação. É crucial dominar técnicas, conhecer o terreno, manusear corretamente as ferramentas e manter o equilíbrio emocional.
Como única mulher na equipe, suas saídas para “ir ao banheiro” eram delicadas e constrangedoras, muitas vezes silenciando suas necessidades fisiológicas. Ao final, seu combate nunca foi apenas contra o fogo, mas contra toda ideologia machista que alimenta a indiferença e restringe a existência feminina.
Além das dificuldades no combate e desigualdade de gênero, os brigadistas enfrentam a falta de credibilidade da sociedade. As causas e origens dos incêndios muitas vezes permanecem sem culpados e punição. Bel destaca questões como disputas territoriais, renovação de pastagens, controle de roças, mudanças climáticas, ineficiência e corrupção em órgãos públicos responsáveis. Muitas vezes, o fogo revela conflitos de interesse, resultado de ações criminosas motivadas por benefícios a uma minoria privilegiada.
Entretanto, Bel acredita que o movimento ambientalista na Chapada Diamantina ganhou força, com maior envolvimento da população, mais consciente de seus direitos e deveres. Isso a mantém esperançosa quanto à consolidação de um novo cenário. Ela ressalta que houve queda no número de ocorrências de incêndios na região, graças à mobilização e modernização das gestões dos órgãos responsáveis e à atuação eficiente das brigadas voluntárias.
Após quase 12 anos de caminhada, Bel sente-se confiante e capacitada. Seu esforço garantiu habilidade no manuseio de todas as ferramentas de combate e conhecimento das trilhas da Chapada, onde atua como condutora de visitantes. Sua persistência abriu caminho para outras mulheres abraçarem a causa e ocuparem esses espaços. Orgulhosa, ela afirma: “Conquistei meu lugar como brigadista. Uma vez brigadista, sempre serei brigadista.”
A cada ano, novas mulheres se juntam aos combates na Chapada Diamantina, apagando o fogo e minando as barreiras do preconceito, reafirmando que ser mulher não é uma limitação, mas uma potencialização para atuar onde, quando e como quiserem.